O Ministério do Interior de Angola (que é parte activa e integrante do Comité de especialidade do MPLA) veio a terreiro no dia 27.06, através do seu director do Gabinete de Estudos, Informação e Análise, comissário Aristófanes dos Santos, dizer o que todos esperavam. Ou seja, a culpa dos incidentais mortais em Benguela é da UNITA.
Por William Tonet e Orlando Castro
Aristófanes dos Santos é dos melhores peritos que o regime de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, tem à sua disposição. Ninguém é tão eloquente ventríloquo e mímico. Finge que pensa, finge que fala, mas o que se ouve é a voz do seu patrão.
Assim, segundo o recado que mandaram Aristófanes dos Santos transmitir, “os militantes da UNITA é que provocaram a desordem, arrancando duas bandeiras do MPLA” e, como convém neste simulacro de democracia e de Estado de Direito, apresenta um rol de supostas testemunhas cuja credibilidade é inquestionável: são todas, mas todas, do MPLA.
Para abrilhantar a farsa, o regime ordenou igualmente que a comunicação social do reino ajudasse a difundir a mentira, convicto que está que uma mentira dita mil vezes acabará por se tornar verdade. Ledo engano.
Em exclusivo, o Folha 8 ouviu Adalberto da Costa Júnior, chefe da delegação a Capupa, Cubal, Benguela, e deputado da bancada parlamentar do Galo Negro.
Folha 8 – Qual o comentário que faz às declarações de Aristófanes dos Santos?
Adalberto da Costa Júnior – Tendo acompanhado ontem a conferência de imprensa efectuada por responsáveis do Ministério do Interior, ficamos com vontade de colocar algumas perguntas que nos ajudarão a perceber que o Inquérito afinal não esclareceu nada do essencial.
F8 – E quais são esses perguntas?
ADCJ – Afinal quem colocou em Cambulo as mais de 250 milícias que nos atacaram? O próprio Comissário Aristófanes adiantou este elevado número de atacantes! Quem os preparou? Quem os avisou da ida dos Deputados?
F8 – Como é que de desenrolou a questão das bandeira?
ACJ – A Comissão que fez o inquérito omitiu que as bandeiras do MPLA estavam colocadas na residência de um militante da UNITA. Não estavam nem em terrenos públicos, nem em terrenos pertencentes ao MPLA!
F8 – Certo. Mas foi a retirada das bandeiras que originaram os confrontos…
ACJ – Sim, segundo o Comissário Aristófanes os ataques deveram-se à retirada das bandeiras! Ora, como foi possível eles prepararem 8 quilómetros de emboscadas, em meia hora que foi o tempo que durou a retirada das bandeiras da casa do militante da UNITA e a minha ordem de as colocar lá de novo (apesar de termos toda a legitimidade em podermos retirá-las)?
F8 – Parece, de facto, uma argumentação pouco fiável por parte do Comissário Aristófanes dos Santos?
ACJ – Quem acredita que em meia hora se mobilizam 250 homens, armados com catanas, zagaias e flechas, porrinhos, com tempo de cortar árvores de grande porte e atravessá-las em vários pontos da estrada? Talvez o “speed gonzalez”, personagem do livro de quadradinhos, fosse capaz de tais movimentos simultâneos, mas impossíveis num mundo real.
F8 – Porque é que o Ministério do Interior está a proteger milícias, que existem ilegalmente e realizam ataques contra Deputados? A quem o Ministério do Interior está a querer proteger?
ACJ – Pois é. São muitas as perguntas e nulas as respostas. Junto, aliás, mais algumas questões: Quem são afinal os mandantes que obrigam a tão grosseiras montagens? A incorrer em riscos tão perigosos, como o exercício a que ontem assistimos e que não é mais do que um sério aviso de que ninguém, absolutamente ninguém estará seguro quando em causa estiverem interesses do partido no poder, habituado a tudo pisar e nada respeitar?
Todo este imbróglio, que só o é porque as autoridades angolanas não estão ao serviço do pais mas, antes, às ordens do MPLA, legitimam muitas dúvidas e interrogações.
Será que estes senhores, que nos serviram tão repugnante exercício de incompetência, reflectiram bem ao pretenderem ser juízes em causa própria? Pode o Ministério do Interior, que já nos tinha servido um Comunicado cheio de falsidades, voltar a efectuar outro triste trabalho, onde os atacantes foram juízes e onde se pretende julgar quem permitiu que hoje aqui estivéssemos vivos? Estes que agiram sempre dentro do mais absoluto rigor, a quem por mais que tentem não conseguirão imputar qualquer desvio ao Direito e à Lei.
Adalberto Costa Júnior pergunta: “Será que todo este triste exercício resulta do facto de terem falhado a missão e de estarmos vivos?”
E acrescenta: “Como é que um servidor público e um oficial da Polícia Nacional pode diferenciar o valor da vida e sugerir: “remeter à magistratura um processo crime aos autores dos disparos que causaram a morte de 2 cidadãos”; e nada remeterem contra quem atacou deputados e provocou o morte de um outro cidadão?”
Ao que parece, o Ministério do Interior legitima e autoriza que se assassine cidadãos quando em causa está a retirada de bandeiras, tal como dá cobertura a que deputados sejam atacados, desde que os parlamentares não sejam do MPLA.
Ao que tudo indica, o alvo do ataque de Capupa, era o Presidente do Grupo Parlamentar da UNITA! Nesse contexto, a UNITA exigiu uma Comissão de Inquérito Multidisciplinar e o seu natural espaço de realização deverá ser a Assembleia Nacional.
Quando o Presidente do Grupo Parlamentar da UNITA chegou a Luanda, foi por sua iniciativa recebido pelo Presidente da Assembleia Nacional e antes de realizar a primeira conferência de imprensa, também por sua iniciativa encontrou-se com o Ministro do Interior. Ambos solicitaram a entrega, por escrito, do relato efectuado. Este documento foi naturalmente entregue ao Presidente da Assembleia Nacional. Já a sua entrega ao Ministro do Interior mereceu alguma interrogação, pelo precedente de falsidades do comunicado do Ministério do Interior em Benguela. Ainda assim a UNITA decidiu-se pela entrega.
No mesmo âmbito o Presidente da UNITA escreveu ao Presidente da República e manteve também um encontro com o Ministro do Interior.
Há, de facto, muitas coisas que o Ministério do Interior ignora ou, deliberadamente, omite. Exemplos: Foras as armas recuperadas à polícia que permitiram resgatar da mão dos atacantes, 3 membros da delegação e também o polícia ferido pelos atacantes, que foi transportado numa carrinha dos membros da delegação da UNITA? Como é que os Deputados conseguiram atingir o carro da polícia que os trouxe depois? Saberá que os deputados tiveram de correr entre os atacantes e desviar-se de catanas e flechas? Os deputados depois de atingirem o carro da polícia, os agentes da polícia tiveram que abrir caminho a disparar e não foi sempre para o ar?
A versão de quem manda
Aristófanes dos Santos explicou que os disparos indiscriminados dos militantes da UNITA terão atingido mortalmente os cidadãos Faustino Catumbela e Sabonete Katchiendo, militantes do MPLA, de 40 e 42 anos, respectivamente.
Aristófanes dos Santos disse que ficou concluído que o cerne da questão, que terá dado lugar a toda estas situações, terá sido o facto de os militantes da UNITA terem removido duas bandeiras do partido MPLA, facto que levou os militantes do partido no poder a revoltarem-se, originando tumultos.
Tal situação, esclareceu, “culminou em agressões múltiplas entre as partes, utilizando objectos contundentes e de arremesso, acção que se generalizou, conforme referiu a maior parte dos declarantes nos autos”.
Aristófanes dos Santos referiu que os declarantes foram unânimes em afirmar que os dirigentes da UNITA, entre os quais o deputado Adalberto da Costa Júnior e a secretária municipal deste partido no Cubal pediram incessantemente que os efectivos da Polícia efectuassem disparos para o ar, com vista a afugentar os supostos agressores.
A comissão constatou que a situação relacionada a uma família que estaria a ser supostamente maltratada por outra na localidade de Cambulo era um assunto meramente familiar de sucessão de trono tradicional.
Segundo o comissário Aristófanes dos Santos, tal assunto deve ser tratado no fórum tradicional e não da responsabilidade dos partidos políticos.
Em função disso, o Serviço de Investigação Criminal (SIC) no município do Cubal procedeu à abertura do processo-crime em que é participante o secretariado do comité municipal da UNITA, por actos de agressões físicas, danos materiais, fogo posto e ofensas corporais que resultaram em morte.